Diretrizes do AND Lab
As Diretrizes Território, Cuidado & Soma
AND Território
Esta diretriz é, ao mesmo tempo, o ancestral e o futuro do AND Lab.
Foi pela pesquisa no/com o Território que aquilo que viria ser o Modo Operativo AND emergiu, ainda no Brasil e no início dos anos 2000, sob a nomenclatura de Etnografia enquanto Performance Situada, na dobra entre antropologia e dança. Nesta altura, a prática do Reparar se dava em "grande escala", sobretudo em territórios urbanos e numa relação de mergulho e encantamento com a rua e os espaços comuns. Transpondo a metodologia antropológica do trabalho de campo para um plano de criação de proposições situadas e de performação do encontro, era através do território - experimentado à escala humana, seja pela caminhada, seja pela permanência - que Fernanda Eugenio se propunha, então, a mapear questões do lugar, emergentes das relações entre geografia e arquitetura, macro e micropolíticas, hábitos e habitações, códigos e desvios, contiguidade e coexistência, conflitos e comunhões, visibilidade e invisibilidade.
Enquanto estado sensível, o exercício do Reparar convoca, ainda hoje, tanto a modulação do movimento como a da pausa, sendo vivido enquanto exercício de deslocação simultaneamente subjetiva e espácio-temporal (enquanto abdicação da interpretação e da 'interpretose' em favor do percorrer e do descrever, de perto em perto) e, ao mesmo tempo, enquanto compromisso em permanecer, persistir, demorar-se no território investigado e fazer com ele - e para ele.
A diretriz de entrada nas questões pela via do Território acompanha todas as modulações seguintes do Modo Operativo AND e se assenta na prerrogativa do acontecimento coletivo em detrimento da autoridade do sujeito e numa ética de extrair os critérios para cada escolha, gesto ou jogada da escuta situada - para o cuidado-curadoria do comum. Assume-se que o território é o próprio saber-sabor, o saber encarnado a inquirir - via reparagem - para ser possível tomar decisões que sejam, também e sempre, des-cisões. Des-cisão, um desfazer da cisão entre eu e outre, e entorno envolvente, permitindo a reconexão com a experiência sensível da inseparabilidade.
Se a pesquisa com o Território, sobretudo em meio urbano, marcou o início do MO_AND, ela vem apontando, agora, também para o seu futuro. Nos mais recentes desdobramentos do Modo Operativo AND, cresce uma inclinação que nos leva, mais e mais, não somente para fora do estúdio, mas também para fora da cidade. O Território volta a comparecer, alargado em Terra, nas novas modulações dos jogos de cuidado-curadoria e das proposições rituais do/com o MO_AND, que se dedicam à vivência da inseparabilidade e acontecem em ambientes 'naturais', experimentado o contato e a fricção com uma biodiversidade mais-que-humana. Este movimento tem, pouco a pouco, carregado o AND Lab num 'devir LAND' - que se manifesta concretamente na emergência dos cursos LANDscape da Escola do Reparar, que acontecem em modo retiro, em localidades afastadas dos centros urbanos, e sinalizam uma tendência/desejo de assentamento futuro do próprio AND Lab fora da cidade.
AND Cuidado
O atravessamento do Cuidado se manifesta pervasivamente no AND Lab, enquanto ética, modo de fazer e de habitar e, ainda, enquanto dimensão inerente e efeito somático-político da frequentação da prática do próprio Modo Operativo AND.
A enunciação do Cuidado como diretriz e modo de atuação direta do AND Lab, embora sempre estivesse estado lá, no próprio ato do Reparar, só foi delineada explicitamente a partir do encontro com a área da Psicologia Transdisciplinar - 'acidente' que levou à emergência de um campo de pesquisa de longa duração, hoje abrangido no projeto colaborativo duracional MO_AND + Clínica-Cuidado.
As consequências que a prática do MO_AND traz ao plano da produção de cuidado e da subjetividade têm sido exploradas seja em pesquisas universitárias seja dentro do próprio AND Lab, com a criação e o desdobramento de práticas dirigidas especificamente para a formulação dos afetos experimentados em jogo e para o re-conhecimento das micro-transformações emergentes.
A linha orientadora do cuidado enquanto pulso da presença no Modo Operativo AND assenta no compromisso com o exercício transversal da comparência co(m)passionada e da des-ilusão, através da desidentificação com normatividades pré-determinadas e da ativação de modulações politizadas, não-hierárquicas e disseminadas do amor. Aproxima-se, assim, o cuidar do curar, enquanto assume-se o curar não como restabelecimento da ordem ou de um estado previamente definido como bom ou saudável, mas enquanto gesto de curadoria: prática de re-membração, re-imaginação e re-invenção de si e do mundo.
AND Soma
A diretriz Soma, a abarcar a injunção entre o íntimo e o político, e entre a micropolítica de reciprocidade praticada no MO_AND e a espiritualidade, é aquela que mais recentemente foi reconhecida e se assentou em formulação no AND Lab.
Mais uma vez, embora tenha 'sempre estado lá' - no foco dado à encarnação/presentação como via para a tomada de posição, bem como ao ISSO, o afeto inominável, enquanto motor do acontecimento -, este atravessamento vem sendo explicitamente endereçado através da multiplicação, nos últimos anos, das modulações do jogo AND que tomam o corpo-território enquanto 'tabuleiro' e permitem abordar as marcas do Irreparável em cada ume, interpelando de modo mais direto a matéria sensível que nos constitui e nos insepara.
Esta diretriz assinala a transversalidade, na prática do MO_AND, de uma compreensão expandida do corpo e da corporeidade, tomados enquanto lugar privilegiado para trabalhar, por fractalização da percepção e por in/ex-corporação, a des-ilusão e a des-cisão, através da escuta da sensação enquanto se Repara e da constituição de um campo seguro para atravessar e re-membrar o Irreparável, exercitando o Reparar enquanto co-sentir com o aquém e o além de nós.
Invocar a nomeação Soma é parte de uma orientação que aborda o corpo como agregado (des)dobrado. Soma é o corpo físico, é o 'cada corpo', mas é também multiplicidade, corpos. Abarca o físico e o energético, o trans e o infra-pessoal; o individual e o ancestral; o social, o cultural, o histórico, mas também o cosmológico e o infinitesimal. É, ainda, o reconhecimento da continuidade entre todos os corpos no corpo mais vasto, mais-que-humano, da Vida enquanto fundo comum que comporta todas as formas manifestas e por manifestar.
A diretriz Soma sublinha, assim, a pesquisa de vias de reconexão com a experiência sensível da inseparabilidade enquanto objetivo transversal de toda a constelação de práticas do MO_AND, e enquanto gesto ao mesmo tempo político e espiritual.